segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Na morte do Poeta (Eugénio de Andrade)


Aquilo que nos prendia à terra
quando os templos se faziam de pedra
talvez não tenha existido na luz
nem as árvores tenham renascido
no éter de cada manhã

talvez o verbo em cada sítio
tenha sido o tempo imoto
desafiando a indecifrável vastidão
da ambiguidade das palavras
na repartição do lastro da medula

talvez os passos imotáveis e firmes
isentos de metas semoventes
tenham multiplicado as sílabas
para vencer as umbrantes montanhas

talvez  a escuridão sonâmbula dos astros
redescobrindo a distância
nos olhos frementes
prolongando a planície itinerante
deixe os sedimentos das ideias
na fímbria mutável dos horizontes
tão longos e incumbentes

talvez de todas as palavras proferidas
se possam tecer velames
em naus de juncos urdindo canções
no vento redescobrindo o infinito
da voz repetível


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